Com Ludmilla e Preta Gil, troféu Raça Negra festeja o povo negro brasileiro

Fonte: Folha de S. Paulo

No último domingo, aconteceu em São Paulo mais uma edição do troféu Raça Negra, criado e organizado pela Universidade Zumbi dos Palmares, instituição destinada à formação e inclusão de pessoas negras e de baixa renda, e a ONG Afrobras.

O troféu já é parte do calendário e uma oportunidade de reconhecimento pela comunidade negra de pessoas que atuaram no combate ao racismo.

Na edição deste ano, foi destacado por José Vicente, reitor da universidade, a defesa da Lei de Cotas, que completa uma década em 2022. O artigo 7º da Lei de Cotas determina que a política poderá ser revisada então. Por isso, foi importante dizer que a ação afirmativa gerou inúmeros efeitos positivos na sociedade.

Assim como o tema foi um acerto em cheio, o homenageado da noite também foi uma honraria necessária: Ismael Ivo, o maior bailarino brasileiro de todos os tempos, morto em decorrência da Covid-19 em abril. Sua família, em especial sua irmã Vera Ivo, homenageada na noite, estava presente para se emocionar com a celebração da memória. Ismael Ivo é eterno, tão gigante que deveria já ser nome de teatros, conservatórios, estátuas. Parabenizo o prêmio pela escolha e torço para que demais premiações se inspirem e façam o mesmo.

A noite também foi um momento para não esquecermos as injustiças contra o nosso povo. Por isso, foi importante a homenagem à família de João Alberto Silveira Freitas, morto no supermercado Carrefour um dia antes do Dia da Consciência Negra no ano passado.

Entre os homenageados, confesso que fiquei feliz em ver o nome da querida Fernanda Garay, medalhista olímpica e craque do vôlei, que tem inspirado tantas pessoas negras, sobretudo mulheres. A cantora Ludmilla, que recentemente se negou a participar de um prêmio que não reconheceu sua grandeza, foi devidamente honrada, assim como Thelminha Assis, icônica em todos os sentidos positivos.

Entre as muitas críticas que se podem fazer a qualquer premiação que seja —e essa não seria diferente—, é interessante destacar que, no caso do troféu Raça Negra, há no meio delas o medo racial da criação de signos de vitória para a comunidade negra. A imagem de mulheres negras premiadas, festejadas é um elemento dissociativo da imagem colonial que as quer na cozinha. O incômodo por elas “estarem fora do lugar” leva ao descompasso até de pessoas que se julgam intelectuais, gente fina e diz ser contra a propriedade privada.

Como questiona o babalorixá Rodney William, “até hoje contestam o Dia da Consciência Negra e o feriado em honra do herói nacional Zumbi dos Palmares”. “Por que será? Será por que Zumbi livra o negro do estigma da submissão?” E complementa: “Quando um dos nossos rompe a barreira da invisibilidade,
torna-se um representante de todos nós. Nossa África ancestral é generosa, solidária, acolhedora. Portanto, é natural que nos vejamos em nossos pares: naquele irmão elevado a uma posição de honra. Naquela irmã que se formou em medicina e atende nossa filha no hospital. Naquela atriz, naquele ator”.

Então é uma alegria ver uma educadora como Eunice Prudente, primeira professora negra da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, ser homenageada. Ela, que também atuou em toda a sua trajetória como formuladora de políticas públicas, segue formando acadêmicos engajados na luta antirracista.

Também é uma alegria ver as cantoras Mart’nália e Preta Gil. Foi motivo de festa ver os homens negros destacados em suas áreas de atuação: o cantor Thiaguinho, o qual do seu lugar de imensa admiração visibiliza intelectuais negros e negras nas redes sociais. O rapper Thaíde, que inspira e inspirou muitos jovens a se conscientizarem. Destaco também a premiação do ator Jonathan Azevedo, que incentiva, inclusive, projetos de leitura em comunidades. Foi uma noite de aplausos também para o cantor Tony Gordon e o medalhista olímpico Hebert Conceição.

Na cerimônia também foram homenageadas a secretária municipal de Cultura, Aline Torres, a presidente da União Nacional dos Estudantes, Bruna Brelaz, e o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, Elizeu Soares Lopes. Eles atuam em uma disputa institucional que só quem é negro e passou por esses espaços sabe que é difícil.

Ficam os destaques para todas as pessoas não negras também reconhecidas, pois, como diz Grada Kilomba, o racismo é uma problemática branca. É dever de todas as pessoas desse grupo social se engajarem nessa luta, para benefício de toda a sociedade.

Uma noite para a comunidade negra é uma noite para se festejar. Por mais iniciativas como essa e vida longa ao troféu Raça Negra.